Eu, mamãe e papai.
Gosto muito dessa foto. Gosto de lembrar da minha mãe assim, do seu rosto jovem, de uma época em que ele era a única referência para mim, de uma época em que todo e qualquer medo passava quando meus olhos encontravam o rosto dela.
Lembro-me de um fato ocorrido quando ainda era muito criança, eu devia ter uns cinco ou seis anos. Minha mãe trabalhava em um colégio próximo à escolinha em que eu estudava, bastava atravessar uma praça para eu chegar até onde ela estava. Era assim todos os dias no final da minha aula, eu caminhava até lá para esperar por ela. Pelo menos, é esse o pouco que lembro dessa rotina.
Um certo dia, cheguei no colégio e uma senhorinha no portão foi logo me dizendo que minha mãe já tinha ido embora. Não quis acreditar. Minha mãe não podia ter ido embora sem mim! Perguntei pela minha irmã, que, se bem me lembro, também estudava no mesmo colégio. "- Também já foi", disse a senhora. Preciso dizer que meu mundo caiu??
Achei tudo aquilo muito estranho: minha mãe nunca iria embora sem mim, sem ao menos deixar minha irmã me esperando, sem ao menos deixar algo recomendado àquela senhorinha, sem ao menos um recado, um aviso de que voltaria para me pegar... A senhora sequer me deixou entrar na escola. Eu era uma criança!! Como eu poderia ir sozinha caminhando para casa? Tão longe! Minha mãe nunca faria isso!
Fiquei desesperada, mesmo assim, fui em direção de casa. Eu sabia o caminho, e pela primeira vez, tomei conta disso. Eu conseguia até me lembrar de outros caminhos para ir para casa, um mais longo, outro mais agitado, e o outro que fazia todos os dias. Segui pelo mais curto e, aparentemente mais seguro.
Enquanto caminhava a cabeça martela: como minha mãe poderia ter feito isso comigo? Como vou caminhar sozinha, com todos os riscos que tem no caminho? O que aconteceu com minha mãe? E a mana, porque não me esperou? Porque não consigo chegar logo em casa?
Toda esquina que dobrava, contava que encontraria minha mãe, em cima de sua bicicleta, louca em minha direção, que me pediria desculpas, que iria me explicar tudo o que tinha acontecido, que iria dizer que estava muito preocupada comigo e me abraçaria... Mas não. Nada. Só mais longas e intermináveis ruas.
Em um determinado trecho, deparei-me com uma junta de bois pela rua (coisa de cidade de interior), "Não, isso não pode ser possível!", pensei. "E agora, como vou seguir? Terei que voltar e fazer o caminho mais longo, pois não vou passar perto desses bois! Mais já andei tanto para voltar agora. E se a mamãe estiver vindo por aqui? Ela não vai me achar se eu voltar. Poxa, porque a mamãe me deixou?". E, pela primeira vez, quis deixar o choro cair.
Arranquei coragem não sei de onde e passei espremida pelas cercas e muros das casas do lado oposto da rua, de onde os monstros estavam, e segui, sem olhar para trás. Tão apressada, tão chateada e tão obstinada a encontrar minha mãe no caminho...
Infelizmente, minhas recordações só me levam até aí. Pois é. Eu era uma criança de cinco ou seis anos, o que posso fazer? Por um milhão de vezes, já tentei arrancar o final dessa história da minha cabeça, mais não consigo. Sinceramente, já cheguei a pensar que tudo isso não passou de um sonho, e desses que não tem fim. Cheguei a ficar convencida disso por anos, ao ponto de nunca perguntar para minha mãe se ela lembrava desse fato.
Até que um dia perguntei, e ela ficou tentando recordar... Pensou, pensou e depois de um tempo disse que lembrava sim, e que todo o tempo, durante todo o caminho, ela estava atrás de mim. Vinha na bicicleta dela, me observando. Quer saber? Até agora, recordando dessa história, chego a pensar que, até essa resposta faz parte de um sonho.
Sonho ou não, esta é minha mãe. Minha mãe não é, e nunca foi, aquela que esperei encontrar no caminho, cheia de carinhos, desculpas e explicações pelos atos dela. Ela sempre foi de dizer: "é assim e pronto!".
Um dias desses, conversando com meu irmão mais velho, ele comentou que tem dela uma imagem de um general, firme e forte (apesar de toda fragilidade de seu corpo e de algumas manhas que a idade vem trazendo para ela com os anos). No dia, não julgamos essa imagem dela como sendo algo ruim, pelo contrário, sendo assim, ela nos ensinou muito. Muito mesmo!
Minha mãe nos deu carinho sim, mas nunca foi melosa. Posso dizer que minha mãe sim nos criou para o mundo, para a vida. Para sermos pais, maridos, esposas, donos e donas de casa, trabalhadores e pessoas de bom caráter. Sempre penso que a parte melosa veio com meu pai, que também é um ser que nos rende muita admiração, respeito e também nos deu bons exemplos, mas mesmo sendo um homem forte e muito trabalhador, era o que mais se rendia aos caprichos e manhas dos filhos.
Hoje é comum ouvir da minha mãe, quando não concorda ou se chateia com alguma atitude ou decisão tomada por algum filho, "Eu não criei vocês para isso!!". E ela está certa, muito certa! Mesmo sem se dar contar, minha mãe me criou para eu viver a minha vida, para escolher e trilhar meus caminhos, sejam eles bons ou ruins, para não ser eternamente dependente dela ou de meu pai, para sofrer, para aprender, para crescer. E se hoje não sou exatamente o que ela queria que eu fosse, é porque tudo deu certo! A vida conseguiu moldar mais uma que foi entregue a ela.
À minha mãe sou eternamente grata! Por tudo que vivi, por tudo que chorei, por tudo que aprendi e ainda aprendo até hoje com ela. Pela educação, pela dedicação, pelas opções que me deu e principalmente, por ela ter sempre escolhido seguir em frente, mesmo quando as coisas ficavam difíceis... E por tantas outras formas de amor que desprendeu e ainda desprende a mim.
Quanto à história, vou novamente perguntar a ela se de fato isso tudo aconteceu e depois atualizo este post. E, ainda sobre a foto aí em cima, gosto muito dela por ser uma das poucas que ela aparece grávida, e por ser de mim, ainda é mais especial.