domingo, 17 de fevereiro de 2013

Sua bênção, mãezinha!

Há uns dias, após uma visita a minha avó materna, cheguei em casa e passei direto para o banheiro, liguei o rádio (sim, ele é um item permanente no meu banheiro) e estava a tocar uma música que eu simplesmente amo: "O Trenzinho do Caípira", composição de Villa Lobos, na versão cantada por Edu Lobo (que também vale a pena ouvir em sua versão original). Esta música me emociona naturalmente, mas naquele momento, foi mais do que especial. Ela tocou minha alma. Chorei muito... Difícil explicar...

Bem, vamos lá... Naquele momento, lembrei-me de um texto que escrevi nos primeiros anos de faculdade, a disciplina era Literatura Infanto Juvenil. A professora pediu para que escrevêssemos algo sobre nossa infância, algo inesquecível,  e para mim, seria um sacrilégio não escrever sobre minha avó...

Corri para o escritório à procura do texto. Sabia que o tinha visto há alguns dias quando arrumava a papelada nas caixas. Achei. A folha já estava amarelada. Fiquei contente em ver as observações de minha professora. Algo como "Introdução criativa", "Poderia ter usado reticências aqui" (deve ser por isso que as uso tanto hoje).

Este é o texto

- A bênção mãezinha!
- Deus abençoe!
- "Bença" mãezinha!
- Deus abençoe!
- A "bença" mãezinha!
- Deus abençoe!


Era assim quando o batalhão de netos passava pela lateral da casa de minha avó rumo aos três enormes quintais que completavam sua propriedade e a avistavam pela janela, ou pelo quintal, cuidando de seus afazeres.

Não era sempre que mamãe nos deixava sair para brincar na casa de nossa avó, pois sabia como eram nossas batalhas, e não queria que fôssemos incomodá-la. Então ficávamos com os colegas da rua, subindo e descendo o morro, brincando de jogos ou na casa de algum deles, era sempre muito divertido, mas nada como as fruteiras do quintal da mãezinha... (É assim que a chamamos até hoje).

Mamãe nos dava banho, arrumava nossos cabelos e roupas (cuidava para que pudéssemos brincar bem à vontade), e, depois de boas recomendações, saíamos. Atravessávamos a rua, e seguíamos para a casa da mãezinha. Passávamos direto para o quintal, mal pedíamos a benção quando a víamos. Já ela, prestava muita a atenção em todos: - Cuidado com minhas plantas, não vão quebrá-las!

Era quando grande parte dos primos juntava-se, não combinávamos nada, tínhamos sorte de morar em ruas próximas, e, mais ainda, por ter nossa avó instalada bem no centro da principal delas. Era só o primeiro grupo chegar para os demais virem logo em seguida. Mais ‘’soldados’’... Mais recomendações...

- O que vamos fazer? Era o suficiente para a disputa começar. Entre bandeirinha, esconde, guerra de goiabas, escolhíamos sempre o mais barulhento, o que nos fizesse percorrer todo o quintal. Corríamos, gritávamos, riamos, comíamos frutas, e, claro, quebrávamos as plantas da mãezinha, o que gerava grande tensão em todos. Fosse quem fosse o responsável, todos se mobilizavam, pois sabiam que o batalhão inteiro pegaria a culpa.

Mãezinha não dava mole, ficava de olho... Um galho se quebrava, todos olhavam para a casa, e lá estava ela na janela da cozinha com sua expressão ameaçadora. Temida por todos, tínhamos o cuidado para não aborrecê-la, afinal, era nossa tão querida mãezinha, mas era quase impossível. O galho, nós escondíamos, e bem escondido, mas as plantas, não tinha jeito, era peia na certa, e dias sem voltar lá.

E assim foi por muitos anos, mesmo temendo as palmadas de minha avó, fazíamos questão de passar tardes e mais tardes em seu quintal, em nosso e imenso parque de diversões, aproveitando da melhor maneira possível nossos anos pueris.

Naquele dia encontrei minha avó na cama, deitada, cheia de... prefiro chamar de coisas da idade. Ela não  falou bem comigo, pois acredito não lembrar-se mais de quem sou, assim como é com o resto da família. Ela não me olhou nos olhos, mas segurou minha mão e ouviu tudo o que eu disse... Mesmo sem saber se ela entendia minhas palavras, eu falei... 

Sei que nunca fiz muito pela minha avó, se é que posso dizer que fiz algo. Mas, mesmo sem saber de muito,  sei o quanto ela fez por mim, por minha mãe, tias e tios, pelos meus primos e primas. Porque o que ela fez por mim, está aqui, em minhas lembranças... São coisas de criança? Podem ser, mas alguém me diga, por favor, quais são as melhores lembranças que uma pessoa pode guardar, senão as da infância? Podem não ser boas para alguns, mesmo assim, são estas que mais guardamos.

Hoje, peço desculpa aos meu familiares por minha ausência. Tem coisas na vida que não podemos ou não sabemos explicar, mas saibam que todos têm um cantinho especial em minha vida, e, principalmente, em minhas orações. Agradeço por fazerem parte de minhas lembranças e de meu desenvolvimento pessoal neste mundo. Acreditem, mas isto, para mim, hoje, faz  muito sentido.

Quanto a minha avó... "Lá vai a vida a rodar, lá vai ciranda e destino, cidade e noite a girar. Lá vai o trem sem destino, pro dia novo encontrar. Correndo vai pela terra, vai pela serra, vai pelo mar... Correndo entre as estrelas a voar, no ar, no ar..."


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