terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Acre sempre existiu...

Para conhecer o lugar que menos conheciam e desconstruir uma piada que tomou conta das redes sociais nos últimos anos, quatro jovens cineastas de São Paulo produziram um filme e um livro para provar que o Acre, localizado na remota região do extremo-oeste brasileiro, existe.




Numa empreitada pessoal, sem nenhum apoio financeiro institucional, em dezembro de 2011 eles partiram de São Paulo com destino a Rio Branco. Até fevereiro de 2012, foram mais de 50 dias de viagens percorrendo cidades, rios florestas, seringais, vilas, e acabaram conhecendo muito mais o Acre que a maioria dos próprios acrianos.


O carro deles superou os 10 mil quilômetros rodados entre a vinda, a volta e as andanças pelo Acre, onde também se valeram de avião monomotor e barco para alcançarem os pontos mais distantes, na fronteira com o Peru.

O filme e o livro "O Acre existe" serão lançados em novembro, em Rio Branco,  durante Festival Internacional Pachamama – Cinema de Fronteira, idealizado para promover a integração cultural, amazônica, andina entre Brasil, Peru e Bolívia.


- Ainda estamos fechando a programação, com muita coisa boa. Destaco, porém, o filme que terá estreia no festival. O grupo de jovens cineastas revela o Acre com muitos personagens, sendo alguns muito conhecidos e outros anônimos, além de paisagens pelo olhar curioso, estrangeiro. Descobrem não um Acre, mas diversos Acres. No final do filme, tive a instigante sensação de que o Acre, de fato, não existe – diz Sérgio de Carvalho, diretor do festival, a única pessoa no Acre que até agora assistiu o documentário.
  
Na verdade a aventura dos quatro cineastas começou em São Paulo numa noite chuvosa. Milton Leal, que havia tentado rodar o mundo, desistiu disso quando estava no Oriente Médio, voltou para sua cidade, mas não estava disposto a trabalhar como jornalista.

Ele telefonou para Bruno Graziano, saíram para conversar e surgiu a ideia de fazer um filme. O diálogo se deu exatamente assim, de acordo com Milton Leal:
- Eu queria muito fazer um documentário. Poderíamos trabalhar juntos. Eu pesquiso, entrevisto e você filma – sugeriu.
- Acho que deveríamos fazer algo viajando – replicou Graziano.
- Pois, vamos fazer uma viagem de carona.
- Para aonde?
- Vamos de São Paulo até o Acre. Isso! Um filme chamado “O Acre Existe”.

Leal conta que, em meia hora, discutiram boa parte do que se tornaria o projeto de documentário sobre o Acre, quando assumiram que não sabiam praticamente nada sobre a região
- Enviei uma mensagem para o celular do também jornalista e amigo Paulo Silva Jr.. Disse em poucas linhas que ele estava escalado para uma viagem ao Acre. Minutos depois, ele respondeu aceitando o convite, sem saber do que se tratava. Graziano, dois dias depois, convidou o amigo Raoni Gruber para fechar o time dos cineastas na equipe. O quarteto estava formado.


Apesar de afirmarem que o Acre existe, no pôster do filme consta a duvidosa tagline "não se sabe se o começo ou o fim do mundo". Veja os depoimentos dos paulistanos Bruno Graziano e Milton Leal, além de Paulo Jr. e Raoni Gruber, que nasceram no ABC Paulista:

 Milton Leal


"Antes de desbravar os “outros” continentes, os europeus achavam que nada existia além do Velho Continente. Eles precisaram encarar mares revoltos para “descobrir” as terras além-mar. No nosso caso, por razões óbvias (que algumas pessoas chegaram a desconsiderar), antes de viajarmos, sabíamos que o Acre existia. Mas o que é existir? É constar de uma lista de estados federativos e aparecer em um livro de geografia? Ou é ter o respeito dos outros compatriotas no que diz respeito à sua história, cultura, povo e peculiaridades? Um viajante só existe quando rompe o vidro do seu aquário e navega pelo desconhecido. O Acre só existiu para mim, de verdade, depois que eu rodei este Estado de ponta a ponta e conheci dezenas de pessoas, que me contaram suas histórias e vivências. Passei então a ter certeza que não apenas o Acre existe, mas o meu respeito e admiração por ele também."


Paulo Silva Jr.


"Saia do Centro de São Paulo e jogue fora todos os parâmetros sobre distância, afinal, o que nos faz pensar que aqui é tão próximo de tudo mesmo, de onde vem essa nossa impressão de estar tão perto do mundo enquanto eles estão supostamente tão longe? Se livre também daqueles conceitos de isolamento, pois como pudemos ter tanta certeza ao cravar que aqui estamos bem servidos, que nada nos falta e que eles, lá em cima, provavelmente não têm acesso a sabe-se lá o quê? Esqueça qualquer definição sobre progresso, e pago um suco de cupuaçu pra quem souber quem inventou, ainda na escola, que aqui sim é o lugar mais desenvolvido do país, além de ser o pólo nacional econômico, político, cultural, de quê?, em que parte?, mas que diabo é um pólo de um país? Ou melhor, muito melhor, carregue tudo isso, suba num carro pela BR-364 e vá lá ao extremo, de preferência onde mais te falaram a vida inteira que sequer existe. Se tuas ideias se bagunçarem pra sempre, não diga que não avisei."


Bruno Graziano


"Rio Branco é a Paris brasileira. Seus paralelepípedos, sua luz amarelada, um rio lhe cruzando sem pudor e ratos, muitos ratos. Não poderiam faltar os ratos. E se White River não tem vinho e queijo, tem cerveja barata e tacacá. Se lhe falta a nostalgia da Belle Époque, sobra-lhe o teatro de rua do Mercado Velho. Saem as parisienses chiques e claras como a nuvem, entram as morenas jambo de curvas sazonais silhuetadas pelo último pôr-do-sol do Brasil. Rio Branco quer ser mais São Paulo, mas é São Paulo que precisa ser mais Rio Branco, a ingênua e safadinha Rio Branco, da Gameleira – “Ah, a Gameleira” – dos grafites indígenas, das saidinhas do Flutuante, dos repentistas, dos poetas, do namorico de portão. E que o Mc Donalds nunca chegue por lá. Sempre me perguntaram se eu teria o desejo de estrear o filme num dos grandes festivais – Cannes, Berlim ou Veneza – e sempre respondi com a convicção de que a estreia, esta teria que ser em Rio Branco. E assim será."



 Raoni Gruber 



"Enquanto viajamos pelo Estado fomos identificados, questionados e cobrados. E a todo momento houve essa preocupação, ao menos por minha parte, com o titulo do filme: O Acre Existe. O Acre existe e ponto, ninguém precisa provar que sim. Pra mim o titulo sempre foi irônico, provocador e, apesar de controverso, decidi bancar, assumir a pressão e seguir em frente. Existe? Pra muitas pessoas, eu ainda acho que não, pra muitos não passa de um lugar imaginário, ignorado, renegado, inexistente. É uma tendência histórica nos Estados do Sul do Brasil renegar o Norte, o Nordeste, os negros, os índios e os caboclos. Cabia agora a mim e aos meus companheiros descobrir em nós e nos outros aquilo que somos. O maior medo e o maior desafio sempre foi conseguir, juntamente com a equipe, dialogar com aqueles que lá estavam respeitando o espaço deles e trazendo nossas visões de fora. Mas agradeço a todos que me ensinaram a saber chegar e sair de todos os lugares pra hoje, dois anos depois, ter a clareza de que vivi momentos mágicos, armazenados em minha alma, em minha história.







Texto retirado na íntegra do Blog da Amazônia, de Altino Machado

Na página O Acre Existe, você poderá encontrar imagens, relatos, vídeos e depoimentos dessa aventura, além, claro, do trailer do filme. Fiquei emocionadíssima com o trabalho desses meninos. Adoro minha cidade. E, sem dúvida, viajar para cá, é certeza de ter uma grande experiência.


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