Numa empreitada pessoal, sem nenhum apoio financeiro institucional, em dezembro de 2011 eles partiram de São Paulo com destino a Rio
Branco. Até fevereiro de 2012, foram mais de 50 dias de viagens percorrendo
cidades, rios florestas, seringais, vilas, e acabaram conhecendo muito mais o
Acre que a maioria dos próprios acrianos.
O carro deles superou os 10 mil quilômetros rodados entre a
vinda, a volta e as andanças pelo Acre, onde também se valeram de avião
monomotor e barco para alcançarem os pontos mais distantes, na fronteira com o
Peru.
O filme e o livro "O Acre existe" serão lançados em
novembro, em Rio Branco, durante Festival Internacional Pachamama –
Cinema de Fronteira, idealizado para promover a integração cultural, amazônica,
andina entre Brasil, Peru e Bolívia.
- Ainda estamos fechando a programação, com muita coisa boa.
Destaco, porém, o filme que terá estreia no festival. O grupo de jovens
cineastas revela o Acre com muitos personagens, sendo alguns muito conhecidos e
outros anônimos, além de paisagens pelo olhar curioso, estrangeiro. Descobrem
não um Acre, mas diversos Acres. No final do filme, tive a instigante sensação
de que o Acre, de fato, não existe – diz Sérgio de Carvalho, diretor do
festival, a única pessoa no Acre que até agora assistiu o documentário.
Na verdade a aventura dos quatro cineastas começou em São Paulo
numa noite chuvosa. Milton Leal, que havia tentado rodar o mundo, desistiu
disso quando estava no Oriente Médio, voltou para sua cidade, mas não estava
disposto a trabalhar como jornalista.
Ele telefonou para Bruno Graziano, saíram para conversar e
surgiu a ideia de fazer um filme. O diálogo se deu exatamente assim, de acordo
com Milton Leal:
- Eu queria muito fazer um documentário. Poderíamos trabalhar
juntos. Eu pesquiso, entrevisto e você filma – sugeriu.
- Acho que deveríamos fazer algo viajando – replicou Graziano.
- Pois, vamos fazer uma viagem de carona.
- Para aonde?
- Vamos de São Paulo até o Acre. Isso! Um filme chamado “O Acre
Existe”.
Leal conta que, em meia hora, discutiram boa parte do que se
tornaria o projeto de documentário sobre o Acre, quando assumiram que não
sabiam praticamente nada sobre a região
- Enviei uma mensagem para o celular do também jornalista e
amigo Paulo Silva Jr.. Disse em poucas linhas que ele estava escalado para uma
viagem ao Acre. Minutos depois, ele respondeu aceitando o convite, sem saber do
que se tratava. Graziano, dois dias depois, convidou o amigo Raoni Gruber para
fechar o time dos cineastas na equipe. O quarteto estava formado.
Apesar de afirmarem que o Acre existe, no pôster do filme
consta a duvidosa tagline "não se sabe se o começo ou o fim do
mundo". Veja os depoimentos dos paulistanos Bruno Graziano e Milton Leal,
além de Paulo Jr. e Raoni Gruber, que nasceram no ABC Paulista:
"Antes de desbravar os “outros”
continentes, os europeus achavam que nada existia além do Velho Continente.
Eles precisaram encarar mares revoltos para “descobrir” as terras além-mar. No
nosso caso, por razões óbvias (que algumas pessoas chegaram a desconsiderar),
antes de viajarmos, sabíamos que o Acre existia. Mas o que é existir? É constar
de uma lista de estados federativos e aparecer em um livro de geografia? Ou é
ter o respeito dos outros compatriotas no que diz respeito à sua história,
cultura, povo e peculiaridades? Um viajante só existe quando rompe o vidro do
seu aquário e navega pelo desconhecido. O Acre só existiu para mim, de verdade,
depois que eu rodei este Estado de ponta a ponta e conheci dezenas de pessoas,
que me contaram suas histórias e vivências. Passei então a ter certeza que não
apenas o Acre existe, mas o meu respeito e admiração por ele também."
"Saia do Centro de São Paulo e jogue fora
todos os parâmetros sobre distância, afinal, o que nos faz pensar que aqui é tão
próximo de tudo mesmo, de onde vem essa nossa impressão de estar tão perto do
mundo enquanto eles estão supostamente tão longe? Se livre também daqueles
conceitos de isolamento, pois como pudemos ter tanta certeza ao cravar que aqui
estamos bem servidos, que nada nos falta e que eles, lá em cima, provavelmente
não têm acesso a sabe-se lá o quê? Esqueça qualquer definição sobre progresso,
e pago um suco de cupuaçu pra quem souber quem inventou, ainda na escola, que
aqui sim é o lugar mais desenvolvido do país, além de ser o pólo nacional
econômico, político, cultural, de quê?, em que parte?, mas que diabo é um pólo
de um país? Ou melhor, muito melhor, carregue tudo isso, suba num carro pela
BR-364 e vá lá ao extremo, de preferência onde mais te falaram a vida inteira
que sequer existe. Se tuas ideias se bagunçarem pra sempre, não diga que não
avisei."
Bruno Graziano
"Rio Branco é a Paris brasileira. Seus
paralelepípedos, sua luz amarelada, um rio lhe cruzando sem pudor e ratos,
muitos ratos. Não poderiam faltar os ratos. E se White River não tem vinho e
queijo, tem cerveja barata e tacacá. Se lhe falta a nostalgia da Belle Époque,
sobra-lhe o teatro de rua do Mercado Velho. Saem as parisienses chiques e
claras como a nuvem, entram as morenas jambo de curvas sazonais silhuetadas
pelo último pôr-do-sol do Brasil. Rio Branco quer ser mais São Paulo, mas é São
Paulo que precisa ser mais Rio Branco, a ingênua e safadinha Rio Branco, da
Gameleira – “Ah, a Gameleira” – dos grafites indígenas, das saidinhas do
Flutuante, dos repentistas, dos poetas, do namorico de portão. E que o Mc
Donalds nunca chegue por lá. Sempre me perguntaram se eu teria o desejo de
estrear o filme num dos grandes festivais – Cannes, Berlim ou Veneza – e sempre
respondi com a convicção de que a estreia, esta teria que ser em Rio Branco. E
assim será."
"Enquanto viajamos pelo Estado fomos
identificados, questionados e cobrados. E a todo momento houve essa
preocupação, ao menos por minha parte, com o titulo do filme: O Acre Existe. O
Acre existe e ponto, ninguém precisa provar que sim. Pra mim o titulo sempre
foi irônico, provocador e, apesar de controverso, decidi bancar, assumir a
pressão e seguir em frente. Existe? Pra muitas pessoas, eu ainda acho que não,
pra muitos não passa de um lugar imaginário, ignorado, renegado, inexistente. É
uma tendência histórica nos Estados do Sul do Brasil renegar o Norte, o
Nordeste, os negros, os índios e os caboclos. Cabia agora a mim e aos meus
companheiros descobrir em nós e nos outros aquilo que somos. O maior medo e o
maior desafio sempre foi conseguir, juntamente com a equipe, dialogar com
aqueles que lá estavam respeitando o espaço deles e trazendo nossas visões de
fora. Mas agradeço a todos que me ensinaram a saber chegar e sair de todos os
lugares pra hoje, dois anos depois, ter a clareza de que vivi momentos mágicos,
armazenados em minha alma, em minha história.
Texto retirado na íntegra do Blog da Amazônia, de Altino Machado
Na página O Acre Existe, você poderá encontrar imagens, relatos, vídeos e depoimentos dessa aventura, além, claro, do trailer do filme. Fiquei emocionadíssima com o trabalho desses meninos. Adoro minha cidade. E, sem dúvida, viajar para cá, é certeza de ter uma grande experiência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário